terça-feira, 12 de abril de 2011

O sensacionalismo é a alma do negócio



O sensacionalismo é marca inevitável do jornalismo brasileiro? Não gostaríamos de generalizar, mas a resposta não se cala na quase totalidade dos veículos comerciais impressos, radiofônicos ou televisivos. É nesses espaços onde o fazer jornalístico exprime seus conteúdos ágeis e brandos, quase sempre motivados pela filosofia capitalista da “maior produção no menor tempo”. Esse jornalismo de revoada - produzido a partir de flanagens rápidas sob os fatos – também nos instiga a alguns questionamentos sobre a própria atuação do jornalista, que imerso na roda alucinante da produção quantitativa, muitas vezes obriga-se a sensacionalizar fatos em troca da estabilidade profissional. A grande parte das ações desse jornalista é comandada pelas regras comerciais do campo publicitário, onde a produção, a compra e a venda se aliam a um vasto público receptor que reclama, consome e descarta cada vez mais num tempo menor.

Para onde vai a possível alma do “fazer jornalismo-jornalista”? Eduardo Galeano em “O livro dos abraços” nos oferece boas pistas para esta questão:

“Me faz bem recordar uma lição de dignidade da arte que recebi há anos, num teatro de Assis, na Itália. Helena e eu tínhamos ido ver um espetáculo de pantomima, e não havia ninguém. Ela e eu éramos os únicos espectadores. Quando a luz se apagou, juntaram-se a nós o lanterninha e a mulher da bilheteria. E, no entanto, os atores, mais numerosos que o público, trabalharam naquela noite como se estivessem vivendo a glória de uma estréia com lotação esgotada. Fizeram sua tarefa entregando-se inteiros, com tudo, com alma e vida; e foi uma maravilha. Nossos aplausos ressoaram na solidão da sala. Nós aplaudimos até esfolar as mãos.”


Não há dúvida de que o sensacionalismo constitui boa parte da prática jornalístico-comercial contemporânea. Quer dizer, o fazer jornalístico é quase sempre precedido pela necessidade de sedução em massa. A estética, e não mais a política ou a cultura, é a isca utilizada para atrair e fisgar o receptor. O “caso do Realengo”, no Rio de Janeiro é prova atualizada dessa prática jornalística. Primeiro a notícia – nada mais do que necessária -, mas depois as estratégias de retransmissão e reconstrução do fato a partir das táticas sensacionalistas. Por exemplo, no segundo dia de cobertura do acontecimento, a pergunta mais utilizada pelos repórteres foi: “Como mãe de uma das vítimas, qual é o seu sentimento”? Ou seja, nada de espaço para o debate político, sociológico e até mesmo econômico da questão. Para esse fazer jornalístico, os contextos do crime dizem respeito apenas ao fato, ao sujeito, ao número de balas utilizadas. Quer dizer, nada de conteúdo que articule tais particularidades a uma estrutura de sociedade, que exige dos sujeitos a competitividade, a distinção, o poder a partir da aniquilação do outro.

Esse jornalismo da sedução, do “fazer por fazer”, que condiz com o hábito de produzir em troca de audiência ou do patrocínio também compromete o seu precioso argumento: "a imprensa apenas reproduz fatos; apenas os relata de maneira imparcial.” Quer dizer, prova contrária a esse mandamento do jornalismo factual é a onda sensacionalista que permeia o chamado novo jornalismo, o da emoção contínua, das construções descontextualizadas e das reportagens requentadas - como foi a do jornal gaúcho Zero Hora sobre o MST -; das produções com a câmera escondida ou através de outras desonestas habilidades.

O sensacionalismo toma conta?

Não dá para duvidar. O jornalismo comercial, valendo-se do sensacionalismo produz o preconceito, a desinformação e a intensificação do sofrimento, tanto das pessoas que serviram de matéria-prima à produção, como para os diversos receptores que a consumiram. Assim, quem sofre mais com o sensacionalismo, o jornalismo, o receptor ou suas vítimas mediatizadas?

Todos pagam o preço?

Em grande medida, o jornalismo sensacionalista induz a prática de novos crimes, pois ao hiper-escancarar a face do criminoso e do episódio, também banaliza os fenômenos da criminalidade. Aparecer no Jornal Nacional por mais de 15 minutos – ou até mesmo em edições inteiras - é para poucos, alegram-se traficantes e demais políticos, que fazem desse jornalismo espaço de projeção e de reconhecimento social. O jornalismo sensacionalista tem contribuído com o agravamento das situações relacionadas ao mundo do crime?
Dentre inúmeros exemplos, o caso de suicídio da atriz Leila Lopes é revelador. A fatalidade foi publicada até pelo avesso. Ou seja, até mesmo as versões de o que seria dela sem ter cometido suicídio foram matéria para uma edição inteira do “Mais você”, apresentado em alto astral por Ana Maria Braga. Outras reportagens sobre o caso Leila Lopes foram a fundo, explicitando as fotos do frasco de veneno, o nome do veneno, a carta de despedida por ela deixada, as simulações do ato, dentre inúmeras outras encenações ou dramaturgias possíveis.
Seria possível pensar o jornalismo como uma prática imune à (re)produção desses horríveis episódios? Será apenas idealização a possibilidade de um jornalismo que informe sem agredir ninguém? Cremos que essa possibilidade se afasta enquanto o jornalismo for simplesmente uma prática guiada pela guerra por audiência ou pela lei das vendagens ilimitadas. Vale à pena subsumir uma possível ética existente em detrimento da conquista de audiências massivas e lucrativas?
Não poderíamos deixar de fora o jornalismo comercial que produz o sensacionalismo ao se pretender popular, como aquele que incorpora o hábito da voz alternativa e, tal como manda o figurino, atua como representante do povo, autodenominando-se o pai dos desvalidos. Mas nos bastidores se enriquece nas costas da desgraça e do sofrimento alheio. É assim que o jornalismo sensacionalista vende a sua verdade ilusória, especialmente quando se diz a salvação ou o porta-voz de todos os problemas sociais.

No Rio Grande do Sul, a última feita do Jornal Zero Hora, do Grupo RBS/Globo, foi emitir juízos sobre a questão da Reforma agrária. Trata-se de uma reportagem dominical, muito bem colorida e ilustrada, mas superficial em conteúdo. Sua base argumentativa é branda, apresentando dados quantitativos questionáveis, regionalizados e descontextualizados de outros fatores que compõe o complexo e histórico problema Agrário. Tal reportagem, embalada pela agenda do Abril Vermelho, é a prova de um jornalismo nada criativo; que sobrevive de pautas requentadas; que sensacionaliza vidas marginalizadas e que de alma ou de sensibilidade pouco possui ou nada entende.


Co-autoria de Éderson Silva - Graduando em Jornalismo na Unisinos

Nenhum comentário: