terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

E lá se foi o carnaval... E agora meu povo?


Amigo leitor, amiga leitora!

Não podemos nos ater a simples interpretações dessa milenar e plural cultura que é o carnaval...
Há aqueles que dizem ser o mal de nosso tempo. A desgraça que vai do pecado aos olhos de Deus à imoralidade de uma cultura endógena e conservadora...
Percebi isso enquanto tomava um café em uma padaria e ouvia duas senhoras de meia idade opinando sobre o carnaval, diziam elas: - “Perda de tempo, gastos infindáveis, aparências que se evaporam em duas noites de luzes e brilhos sem sentido”. E assim, prolongaram-se as ranzinzas em torno deste fenômeno...
Por outro lado, em tempos de desgraça e desalento à maioria dos marginalizados de nossas cidades, o carnaval torna-se o lugar de transcender, sair de si, vibrar, enlouquecer, ir além...
Buscar na outra margem um momento de libertação da amarga realidade que é o cotidiano.
O povo esquecido tem a oportunidade de ir ao centro de cabeça erguida... Atinge, por um pouco mais de 20 minutos, a centralidade da existência, tenta ser reconhecido...
É o rei, é a rainha, exclamando aos olhares que o rodeiam... “Olhem, eu existo, posso ser o centro e a causa de sua atenção, de seu interesse...”.
Felicidade aos poucos que se vêem simbolicamente revestidos por ouro e prata...
Roupas maravilhosas são colocadas sobre corpos que nos demais dias do ano apenas de forma comum ou fora dos padrões podem se vestir...
O Carnaval é um aproximador de águas que nos demais dias do ano percorrem por abismos distantes: Nas escolas, ricos e pobres costuram na mesma mesa, riem debaixo do mesmo barracão, valorizam-se por inteiro, de dentro para fora...
E se a escola for a campeã, o abraço se efetiva com mesma intensidade, peito a peito... Eis a maravilha do carnaval!
Na era medieval, em tempo de carnaval, armavam-se grandes mesas para senhores e escravos comerem e festejarem a vontade, sem distinções. E os escravos tinham direito de dizer verdades sobre seus donos, ridicularizá-los, fazer o que quisessem.
Como percebemos, até mesmo a idade média, com a rígida tutela religiosa sobre a vida social, a qual não poderia trazer acréscimos significativos ao carnaval, não conseguiu extinguir esses festejos, que continuaram existindo como um contraponto à monótona existência dos feudos.
Nesta lógica, percebe-se que o carnaval é também expressão da força popular. Não há sistema que consiga enquadrá-la ou extingui-la.
Temos, por outro lado, que analisar este fenômeno sob o chão em que pisamos...Bem sabemos que tudo o que nos move são as relações de produção, consumo e lucro...
O carnaval, analisado sob esta ótica, não passa de um simples fenômeno propício ao bolso de alguns... Uma “industria cultural” como nos diz os pensadores críticos de Frankfurt...
Nada escapa ao viés do lucro, da promoção comercial... Prova disso foram alguns carros alegóricos explicitando marcas de empresas privadas... Contradição para o carnaval que antes de tudo é expressão do público, do popular...
Mas... Felizes os comerciantes e grandes empresários que lucram ainda mais neste tempo... Infeliz deste “povo/cultura" que em mais uma vez rende-se a essa vergonha...
Carnaval: festa para os olhos e coração de quem assiste; momento de vida, êxtase e esquecimento para quem samba na avenida...
Carnaval: Oportunidade para a denúncia, politização, conscientização e inclusão. Nestes quesitos, Parabéns Dragões e Vale Samba!
Enfim, lá se foi a festa da carne.. Em algumas escolas as portas se fecham até as vésperas da próxima correria comercial e estética...
E agora meu povo? O carnaval deve ser o canal para libertação e não o ópio da alienação...
É hora de invadir os barracões, fazer deste espaço um meio de libertação não somente da carne, mas acima de tudo de consciências e de uma realidade que não se apresenta tão festiva assim nos demais dias que virão por aí...
Ao poder púbico, esperamos que olhem com o mesmo alento para os demais fenômenos de nossas cidades: Saúde, educação, moradia etc... É através destes eventos que a vida efetivamente acontece...