quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

“Sem comunicação não há democracia”


Entrevista com a Filósofa Marilena Chauí
Tatiana Merlino – Em 2006, a senhora ficou profundamente descontente com a postura da mídia durante o período eleitoral, e agora a imprensa teve novamente um comportamento bem complicado. A gente queria que a senhora começasse falando sobre a sua avaliação da cobertura da mídia nas eleições presidenciais.

Marilena Chauí – Eu diria que não houve cobertura. Houve a produção midiática da campanha eleitoral e das eleições. Cobertura significaria mostrar o que efetivamente estava se passando no primeiro turno com todos os candidatos e no segundo turno com os dois candidatos que restaram. E não foi isso que aconteceu. A candidata Dilma não teve em instante nenhum a sua campanha coberta pela mídia. Ela teve a sua campanha ou ignorada, ou deformada ou criminalizada. E do lado do candidato Serra, também não houve uma cobertura da campanha dele. Porque se tivesse havido uma cobertura da campanha dele, o que a mídia deveria ter mostrado? Essa coisa extraordinária que eu nunca vi acontecer em lugar nenhum de um candidato se autodestruir. Primeiro, o vice, ele não conseguiu escolher o vice e depois deu uma escolha que não foi feita por ele e insignificante. Em seguida, ele começa a campanha descendo a lenha no governo Lula, o qual, entretanto, numa pesquisa de opinião, tinha tido quase 90% de ótimo e bom, e, provavelmente, as pessoas que acompanhavam o programa do Serra, aquelas que opinam, devem ter dito que não era uma boa, aí ele passou a dizer que ia fazer o que o Lula estava fazendo, mas melhor. Aí, quando ele começou a explicar o que era melhor, começou a fazer propostas completamente alucinadas, foi uma alucinação que ele propôs. Bom, mas quando nós chegamos nesse ponto, você tem a entrada em cena do segundo turno. Ora, na hora que entra em cena o segundo turno, o que é que vem como uma avalanche? O famoso dossiê. O dossiê que foi atribuído ao PT, disseram que a Dilma tinha mandado fazer, que foi o famoso dossiê que o Aécio fez. Foi o dossiê que invadiu todos os planos da vida do Serra, e mais, atingiu diretamente a filha dele, que eles tinham dito que o PT que tinha violado a menina, a Verônica. Foi uma completa produção do Aécio, em Minas. Ora, isto que destruiria qualquer candidatura em qualquer tempo e lugar, o servilismo da mídia foi tal, que isto, ou não apareceu, ou apareceu em pequenas notícias e de uma maneira tão confusa que ninguém sabia do que se tratava. E, depois, quando entrou em cena o aborto, em primeiro lugar a mídia nunca disse que quem introduziu o tema do aborto foi a Marina, que fez um discurso conservador dos evangélicos para os evangélicos, introduziu os temas religiosos e o tema do aborto. Como ela não entra no segundo turno, o Serra se apropria desse tema. Ora, uma imprensa que está defendendo a liberdade de expressão, que está defendendo o espaço público, que está defendendo a opinião pública, está defendendo a liberdade de pensamento, como é que ela pode embarcar na entrada em cena como tema eleitoral de uma questão que pertence ao espaço privado, e é uma questão de religião, que é o aborto? A plena cobertura que foi dada a isso, contradizendo o próprio significado daquilo que a imprensa deveria de entender por coisa pública, espaço público, opinião pública e liberdade de pensamento e de expressão!

Bom, então, depois, no caso da Dilma, é mais interessante do que a não cobertura da campanha do Serra, porque no caso da Dilma, tentou-se primeiro a guerrilheira. É a guerrilheira, a guerrilheira... E eu tinha dito a uns amigos, este é um caminho perigoso. É um caminho perigoso, porque, em termos de história pessoal, é muito paralela à história do próprio Serra. Se você pega o comício dos cem mil, no Rio [de Janeiro], em 1961, o discurso mais radical do comício não foi o do Jango, não foi o do Brizola, não foi o do Julião, foi o do Serra como presidente da UNE. Ele fez o discurso afirmando... o núcleo do discurso do Serra em 1961 foi revolução armada. Então, eu dizia [é] um perigo, porque se eles enveredarem pela figura da Dilma guerrilheira, eles vão ter que dizer que o Serra pregou em 1961 para cem mil brasileiros a revolução armada.

Tatiana Merlino – A senhora acha que foi diferente essa cobertura da cobertura de 2006 e da cobertura de 1989? O que há de diferente?

M.C. – Eu acho que a diferença não é de natureza, a diferença é de grau. Eu diria que, desta vez, tudo aquilo que se realizou num grau um pouco menor, um pouco mais prudente, desta vez, o véu caiu de uma vez só e atingiu o grau máximo de procedimento. Então, eu diria, não é diferente se eu considerar o modo de proceder, mas é diferente se eu considerar o grau em que isto foi feito.

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