quarta-feira, 27 de julho de 2011

A notícia quente e a notícia fria.



A tragédia do voo JJ 3054 virou notícia fria para o consumo imediato? A história gera o esfriamento dos fatos? A lógica do jornalismo produtivista tem pouca memória? De 2007 a 2011, o que mudou?

Algumas notícias denunciavam certa crise no setor aéreo brasileiro: voos constantemente atrasados, aeroportos em situações precárias ou funcionando ao lado de reformas, enormes filas de passageiros para o embarque etc. Neste contexto, emerge a notícia: um avião da TAM ultrapassa a linha de segurança da pista e, em seguida, a explosão.

Foi numa tarde de terça-feira, às 17 horas e 15 minutos do dia 17 de Julho de 2007. O voo da TAM JJ 3054 aterrissava no Aeroporto Internacional de Congonhas, em São Paulo, com 187 pessoas a bordo. Para alguns, época de férias. O país inteiro vibrava com a realização dos jogos Pan-Americanos. Ao entardecer, tal euforia dava lugar ao desespero: a maior tragédia aérea já anunciada pelos meios de comunicação brasileiros. O desastre, marcado pela morte de 199 pessoas, modificou o cenário dos Jogos Pan-americanos. Minutos após, atletas brasileiros competiram com uma faixa preta no braço; as bandeiras nacionais desceram a meio mastro.

O acidente aéreo, a partir da intensa cobertura feita pelos meios de comunicação brasileiros, também serviu de matéria-prima à mídia internacional. Um dos maiores jornais do mundo, The New York Times, através de seu correspondente Larry Rother, noticiou o fato enquanto revivia a crise aérea brasileira desde o acidente do avião da Gol ocorrido em setembro de 2006. Na Argentina, o jornal Clarín estampou a tragédia na capa da edição eletrônica e rememorou o incidente com o avião da Pantanal ocorrido no dia anterior, no mesmo aeroporto. Na Espanha, o El País denunciou que uma falha na manobra de pouso fez com que o avião se chocasse com o depósito. Em poucas horas do ocorrido, a rede de televisão CNN destacou a tragédia como uma das piores da história da aviação. Na mesma linha, o grupo britânico BBC denominava o desastre como a maior tragédia do ano. No Brasil, a tragédia tomava conta da programação de todas as emissoras. Todos os detalhes eram reprisados e as novas revelações faziam do fato a notícia mais quente dos últimos tempos.

De 2007 a 2011, o que mudou?

A mídia brasileira, buscando reaver a dívida contraída nas eleições presidenciais de 2006, fez do acidente da TAM uma potente arma a ser utilizada contra o governo Lula. Os editoriais dos grandes jornais brasileiros, como o da Folha de S.Paulo, culparam Lula como o principal responsável pelo acidente. No Estadão, a opinião dos leitores, na totalidade, atacava Lula e também os seus ministros. Este comportamento jornalístico, sempre beirando o sensacionalismo ou o personalismo, utilizou-se de vários artifícios espetaculares, deixando pouco espaço para o questionamento dos familiares, os quais também denunciavam a falta de procedimentos legais, tanto do Judiciário como da própria empresa aérea.

Após quatro anos, por que a mesma mídia não tem o mesmo interesse pela tragédia? Neste último final de semana, alguns canais retocaram o assunto, porém sem a mesma ênfase e, muito menos, sem esclarecer os desdobramentos judiciais do caso. O Jornal Nacional e o Fantástico do último domingo (17/7) retrataram, brevemente, a mobilização dos familiares das vítimas. Foi um “noticiar para recordar”, pois a notícia não durou mais que um minuto. Por outro lado, a nova tragédia em Recife, referente ao voo 4896, da Noar Linhas Aéreas, foi a notícia quente, requintada, com falas registradas pela equipe de manutenção da aeronave minutos antes do acidente.

A tragédia do voo JJ 3054 virou notícia fria para o consumo imediato? A história gera o esfriamento dos fatos? A lógica do jornalismo produtivista tem pouca memória? De 2007 a 2011, o que mudou? No que diz respeito à situação dos aeroportos, pouco ou quase nada de positivo aconteceu. A superlotação e a infraestrutura atual revelam a fragilidade da segurança aeroportuária. Isto é noticiado pela grande mídia com certa frequência, tendo em vista os milhões de turistas e de dólares que poderão chegar junto com a Copa de 2014 e as Olimpíadas de 2016.

Apenas sombras da memória

Em forma de resposta à falta de apoio concreto, ou do esfriamento do caso, tanto por parte dos órgãos competentes como da própria mídia, os familiares das vítimas do voo JJ 3054 criaram a Afavitam (Associação dos Familiares e Amigos das Vítimas do Voo JJ TAM 3054). Através desta instituição, cobram esclarecimentos da Anac, da Infraero e da própria TAM. Além do exemplo de solidariedade, os familiares, mesmo após o ocorrido, continuam realizando ações concretas, de cidadania e de compromisso com a questão aérea brasileira, que ainda não é segura para os milhões de passageiros que continuam decolando e aterrissando em solo brasileiro.

O caso JJ TAM 3054 foi e continua muito mais quente e complexo do que a imprensa tenta ou pôde retratar. Enquanto notícia quente, muito se explorou, mas enquanto notícia fria, muito se esqueceu e, até mesmo, se omitiu. Restariam, então, apenas algumas sombras da memória, as quais são cada vez menos projetadas pela grande mídia na tela da realidade nacional?

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[Joel Felipe Guindani e Éderson Silva são, respectivamente, radialista e doutorando em Comunicação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul; e graduando em Jornalismo pela Unisinos]