quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

O jornalismo que nos falta


A cobertura jornalística dos acontecimentos é um importante espaço para sabermos por onde se encaminha a opinião pública, a conversa no boteco, os valores sociais, como o próprio jornalismo.

A ocupação das favelas do Rio de Janeiro pela força polícial foi um acontecimento que rendeu muita matéria prima para os veículos de comunicação. No entanto, este acontecimento nos serve para percebermos e comprovarmos como a cobertura jornalística comercial e hegemônica continua sendo espetacular, simplista e descontextualizadora.

Quer dizer, mais uma vez, esse jornalismo não nos dá indícios de uma cobertura diferenciada ou mais completa. Falta algo no jornalismo ou é um jornalismo que nos falta?
Para o professor e pesquisador da UFRJ, Muniz Sodré, "simplesmente mostrar não é informar. Pode ser, no limite, um modo de excitar a pulsão escopofílica do espectador". Para ele, é preciso "Informar criticamente. E continua:

Informar criticamente: - que se revela socialmente imprescindível no caso em pauta – seria comunicar os acontecimentos dentro do quadro explicativo de suas causas, aliás bastante evidentes para qualquer observador atento. Pode-se começar com os constituintes de 1988, que legislaram em matéria penal com a ditadura e o preso político em mente e, ao fundo, a doutrina liberal-individualista do direito pós-Revolução Francesa. Resultou daí uma legislação tíbia frente ao delinquente comum, com a impunidade no horizonte. Mata-se por dá cá essa palha.

Comedimento e responsabilidade

Em seguida, seria preciso colocar em pauta a corrupção avassaladora de governos, políticos, policiais etc. Não deixar também de indagar sobre a responsabilidade da sociedade civil (se é que esse conceito se aplica ao Brasil) no tocante às drogas e à mafialização generalizada, que vem pondo em segundo plano o problema do tráfico de drogas. Finalmente, tentar jogar alguma luz sobre as perspectivas de emprego para quem se dispõe a abandonar o crime.

Certo, o jornalista poderá responder a tudo isso com a alegação de que o imediato de sua condição profissional lança-o sob pressão sobre a superfície do fato, para dar conta a seu público das ocorrências em bruto. A notícia seria, assim, a pura e simples mercadoria de sua prática industrial. É o que se aprende, é o que se faz – e o que dá certo em termos de audiência e mercado publicitário.

Esse é, de fato, o modelo consagrado pelo jornalismo tal como o conhecemos e talvez não possa ser mudado sem mais nem menos. Mas é certamente um modelo sem amanhã cívico; portanto, algo a ser debatido e repensado.

Nesse meio tempo, seria oportuno um pouco mais de comedimento e responsabilidade social. A morte violenta do outro não pode converter-se em fantástico show da vida.

terça-feira, 30 de novembro de 2010

Repensar a emancipação sócio-comunicacional


Emancipação sócio-comunicacional é uma reflexão inspirada na noção de emancipação social desenvolvida pelo sociólogo Boaventura de Souza Santos. Já o aditivo "comunicacional" deve-se ao fato de que é cada vez mais inconcebível pensarmos ações sociais emancipadoras distantes do espaço comunicacional, sobretudo do midiático-tecnológico.


O campo da sociabilidade, composto também pelo econômico, religioso, cultural, político etc., é cada vez mais atravessado pelos processos de midiatização e concebê-lo fora dessa problemática é praticar uma compreensão limitada sobre a realidade. Nessa direção, as novas tecnologias estão colocando em crise o pensamento estritamente midiático-monopolista, que articula toda a sua crítica e projeção político-militante sobre o viés da manipulação, da sujeição/passividade dos ouvintes, leitores ou telespectadores.

Esta racionalidade midiático-monopolista é o principal fator que nos instiga "repensar" a racionalidade sobre o sócio-comunicacional na contemporaneidade, sobretudo, quando pretendemos desenvolver ações que sejam protagonistas de uma efetiva emancipação humana é popular.

Na perspectiva de Boaventura, o primeiro passo é revermos nosso modo de reflexão sobre as formas de produção de conhecimento [sócio-comunicacional]. Como ele mesmo enfatiza – no seu livro Renovar a teoria crítica e reinventar a emancipação social –, antes de transformar é preciso compreender, mas, sobretudo, compreender como compreendemos. Eis uma pergunta então necessária: como compreender a realidade se não problematizamos nossa maneira de compreendê-la? Toda a compreensão é erigida a partir de um ponto, de um tempo/espaço e que, para sua eficácia ou validade, deve acompanhar as transformações daquilo que busca compreender.

Experiências emancipadorasA compreensão do sócio-comunicacional realizada por muitos movimentos, associações, sindicatos, que discursam sobre formas de libertação/emancipação, partem do ponto ou espaço/tempo que é, na grande maioria, o da manipulação/sujeição/passividade – sem contarmos que muitos deles não consideram a comunicação como importante investimento. Para Boaventura, pensamentos ou compreensões limitadas não nos servem mais. Mediante isso, um segundo passo para a emancipação sócio-comunicacional é o reconhecimento ou compreensão de experiências diversas, que emergem das novas tecnologias, apropriadas por sujeitos em distintos espaços do tempo presente.

Não podemos desperdiçar experiências, alerta Boaventura. Para isso, ou complexificamos e ampliamos a nossa racionalidade sócio-comunicacional, ou estaremos alimentando o círculo vicioso do discurso apenas crítico, que alardeia sem propor alternativas concretas.

Ações exemplares ou racionalidades amplas, que protagonizam a emancipação sócio-comunicacional são identificadas em movimentos sociais, como o Movimento Sem Terra (MST) e até mesmo em projetos do Ministério da Justiça, através do Programa Nacional de Segurança com Cidadania – Pronasci. Vejamos.

Durante este segundo semestre de 2010, professores e alunos da Escola Nova Sociedade, localizada no assentamento Itapuí – Grande Porto Alegre (RS) – e militantes do MST desenvolveram oficinas de comunicação, produzindo podcasts e outros conteúdos para blogs. Um dos jovens assentados, integrante do grupo, enfatiza que "existem muitas tecnologias que podem contribuir não só para o uso pessoal. Um celular pode mandar mensagens, notícias e informações. Isso, até um tempo atrás, era coisa só de uma elite ou dos donos da mídia, mas agora não mais".
No município de Canoas (RS), a Agência da Boa Notícia Guajuviras, um dos projetos do Pronasci, mobiliza mais de 240 jovens em torno da reflexão e do uso das novas tecnologias. Para um dos jovens, "agora podemos dizer coisas do nosso bairro que antes a RBS não dizia. Além de estar aqui aprendendo uma profissão, essa oportunidade melhora a nossa vida aqui no bairro", destaca.


Por uma educação popular
Para Boaventura, estas ações, que são desenvolvidas a partir da realidade midiática local não podem ser desconsideradas por Movimentos sociais ou teorias que buscam compreender e desenvolver projetos alternativos. Mais do que reconhecer ou desenvolver é indispensável também a sistematização, divulgação e interconexão dessas experiências com outras existentes. Sair do localismo para o global é um movimento necessário, mas que requer sensibilidade e acolhida ao invés de separação e distinção entre siglas partidárias, bandeiras de luta ou posicionamentos teóricos. Precisamos ampliar o reconhecimento das diversas práticas comunicacionais do presente e reduzir a aquela expectativa salvífica posta apenas num futuro, afirma Boaventura.

Assim, a emancipação sócio-comunicacional despontará quando um processo educativo popular for implementado pelas forças contra-hegemônicas atuais, como movimentos sociais, sindicatos e associações comunitárias. Essa proposta de educação popular comunicacional deverá conceber os meios de comunicação não mais pela sua lógica instrumental, mas como um espaço capaz e tão importante de mobilização e de luta quanto o próprio partido político, o movimento social ou a associação.

Como diz o subcomandante Marcos, do movimento zapatista, se "pudemos ficar calados por 500 anos", então é porque desponta um momento positivo e de novas alternativas libertadoras. Para isso é urgente uma racionalidade mais ampla, que contemple experiências de mídia gestadas por sujeitos, mesmo que em suas individualidades ou nas mais remotas comunidades, mas que indiciam a concretude de uma comunicação social emancipadora e popular de verdade.