quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

DESTINO ACERTA CONTAS COM BORIS CASOY



"Que merda! Dois lixeiros desejando felicidades do alto das suas
vassouras... dois lixeiros... o mais baixo da escala de trabalho!"
No dia seguinte Casoy pediu "profundas desculpas aos garis e aos
telespetadores da Band" pelo que escutaram em razão de um "vazamento de
audio" (na verdade, só ouviram isso porque ele disse...).



Na manhã desta 2ª feira (4), as dezenas de postagens no YouTube
referentes aos comentários que o apresentador Boris Casoy
inadvertidamente fez sobre os garis no Jornal da Band já haviam sido
vistas quase 1,2 milhão de vezes. A mais assistida estava na casa de 850 mil hits.

Se alguém ainda não sabe, o noticioso levou ao ar saudações de Ano Novo
de dois simpáticos garis: um senhor branco já com cabelos brancos e um
negro na faixa de 40 anos. Causaram ótima impressão, com seu ar digno e
uma alegria que não parecia forçada. Depois, enquanto eram exibidas vinhetas, ouviu-se a voz de Casoy no fundo, comentando com a equipe:

Fê-lo, entretanto, de maneira burocrática e pouco convincente, não
aparentando estar nem um pouco arrependido do desprezo aristocrático
que manifestou pelos trabalhadores humildes. As postagens relativas no
YouTube não somavam hoje nem 100 mil exibições.

Lembrei-me da rainha Maria Antonieta recomendando aos pobres que, se
não tinham pães, que comessem bolos. Perdeu a cabeça. Casoy teve mais
sorte, só quebrou a cara... Fiquei matutando sobre o destino e seus contrapesos. Às vezes a mesma pessoa é brindada com a sorte grande num momento e tira o azar grande
adiante. Ou vice-versa.

Casoy é elitista, racista, conservador e reacionário desde muito cedo. Um velho companheiro que com ele cursou Direito no Mackenzie me contou: aos 23 anos, Casoy era um dos líderes da ala jovem do Comando de Caça aos Comunistas, que tinha nessa faculdade um de seus focos principais. Mais: nos idos de 1964, Casoy chegou a ser citado em reportagem da revista Cruzeiro como membro destacado da juventude anticomunista.

A quartelada o beneficiou, claro: foi homem de imprensa de um ministro
do Governo Médici e do secretário da Agricultura de SP, Herbert Levy,
outra figurinha carimbada da direita.

Mas, nem tinha texto de qualidade superior, nem era uma figura
agradável na telinha, portanto estava direcionado para uma carreira
mediana no jornalismo, não fosse uma moeda que caiu em pé.

Isto aconteceu quando o comando do II Exército aproveitou uma frase
imprudente do cronista Lourenço Diaféria (sobre mendigos urinarem na
estátua de Caxias) para intervir na Folha de S. Paulo.

Os militares exigiram a destituição do diretor de redação Cláudio
Abramo (trotskista histórico), o afastamento de alguns profissionais
(demitidos ou realocados) e o abrandamento da linha editorial.

O proprietário Otávio Frias, que sempre se definiu como comerciante e
não jornalista, negociou. Servil, aceitou até substituir Abramo por um
homem de absoluta confiança do regime militar: Casoy, que editava o
Painel (coluna sobre os bastidores políticos), então um espaço dos mais
secundários no jornal.

Igualmente secundário era Casoy para os leitores da Folha e para os
próprios militantes/simpatizantes da esquerda. Suas posições
fascistóides eram ignoradas pela maioria.

Aí, como diretor de redação, calhou de ser ele o principal defensor do
jornal num episódio de reação à censura. Ou seja, sob palco iluminado, o lobo teve seu mome nto de cordeiro, o caçador de comunistas maquilou sua imagem para a de defensor da liberdade de expressão!

Sua carreira deslanchou. Depois de comandar a redação da Folha por sete
anos (saiu para dar lugar ao filhinho do patrão), voltou a editar a
coluna Painel, cuja importância crescera nesse interim. Finalmente, tornou-se conhecido pelo grande público como apresentador do telejornal Brasil do SBT, entre 1988 e 1997. Novamente os fados o bafejaram. Numa emissora que investia pouco em
jornalismo e não tinha reportagens para mostrar que, quantitativa e qualitativamente, chegassem nem perto das exibidas pela Rede Globo, o
jeito foi deixar crescer o espaço do apresentador.

Casoy pôde, assim, atuar como um âncora à moda dos EUA, fazendo
comentários catárticos sobre episódios de corrupção política (pri
ncipal mente) que eram concluídos com um ou outro de seus bordões
habituais: "Isto é uma vergonha!" é "É preciso passar o Brasil a
limpo!".

Ou seja, para telespectadores da classe "C" e "D", ele passou a
personificar o justiceiro que atirava a verdade na cara dos poderosos.

É um público que, em sua ingenuidade, valoriza desmesuradamente essa
justiça retórica e ilusória, sem perceber que, depois do desabafo,
continua tudo na mesma...

Assim, por novo golpe do destino, um comunicador azedo conquistou a
simpatia dos pobres e dos muito pobres, ao expressar seu inconformismo
impotente face às agruras que os atingem e eles são incapazes de
compreender em toda sua extensão.

É fácil canalizar seu justo ressentimento contra os políticos
desonestos. Tanto quanto é conveniente, para os poderosos, mante-los na
ignor ância de que o maior vilão em suas sofridas existências atende
pelo nome de capitalismo.

Servindo tão bem os interesses do sistema, Casoy atravessou as duas
últimas décadas como um aclamado populista televisivo de direita.

Só teve alguns percalços ao exagerar na dose contra o Governo Lula, mas
seus pés de barro continuaram, tanto quanto possível, ignorados pelo
grande público.

Agora, um acaso revelou ao Brasil inteiro que indivíduo insensível e
preconceituoso é, na verdade, Boris Casoy.

Alguns viram este episódio como um exemplo da justiça divina em ação.
Quem sabe?


Celso Lungaretti