sexta-feira, 23 de março de 2012

A pesquisa em processos midiáticos


É preciso levar em conta a relação de poder, entre: mídias, consumidores, tecnologias e sujeitos. É como uma disputa hegemônica, que ora o poder está de um lado e ora de outro. Encontrar a relação que interliga produção e recepção é, pelo que percebo, concretizar uma pesquisa chamada “processos midiáticos.”



O que é uma pesquisa em processos midiáticos?


Desconfio que os estudos/pesquisas em comunicação se constituíram, na maior parte da história, de modo fragmentado ou dicotômico. De um lado os que apostam na comunicação tecnológica, de linhagem  'McLuhiana', do meio que é a mensagem. Esses pesquisadores se debruçam na especificidade técnica, do como funciona um software, se produz uma boa propaganda ou uma boa fotografia. São tão alucinados com as técnicas que acabam se fechando numa visão extremamente positivista, de que a ciência tecnológica é perfeita etc etc. Isto levou, e ainda leva, à práticas de pesquisas funcionalistas, de que a comunicação é “estímulo-resposta”, como a práticas profissionais pobres e limitadas, como a de que basta um outdoor bem colorido para vender um produto, de que basta uma voz forte e grave para se ter uma boa audiência. Quer dizer: receptor fraco, que espera e consome tudo da mídia e que não precisa participar dela.  
O outro lado, ou o lado B da pesquisa e da prática da comunicação, é o que foca unicamente nos estudos em recepção, que relativiza a dimensão tecnológica – que é importante, mas não única. Por exemplo, este campo da recepção, ao buscar saber sobre a afetação das mídias na realidade social, desconsiderava os aspectos do meio de produção. Eram pesquisadores, que iam para rua abordar pessoas sobre o programa de rádio tal, sobre a leitura do jornal y, ou sobre uma novela, e colocavam o processo de análise no mesmo crívo, sem levar em conta as especificidades do campo de produção, como da própria tecnologia.

Ou seja, o recorte em processos midiáticos serve para não adotarmos a visão de que tudo é comunicação. Uma visão que leva à pesquisas superficiais, que não abordam as lógicas produtivas e nem o contexto do receptor. Processos midiáticos é uma matriz de pensamento que nos auxilia a não sairmos pesquisando na rua o que as pessoas estão ouvindo ou falando sem problematizar a mídia que veicula - se é revista, jornal, rádio -, a partir de uma perspectiva complexa, histórica, política e econômica, às lógicas de funcionamento, se a rádio é AM ou FM, sua abrangência, rotinas produtivas, que dizem respeito ao mundo dos profissionais, se são formados, quantas horas trabalham, se atuam em setores específicos, sua visão de mundo, etc etc..

A estrutura e superestrutura sociológica

Processos midiáticos, que tenham, de um lado, alguma tecnologia de comunicação como centro de análise e , de outro lado, sujeitos contextualizados em suaa complexaa estrutura e superestrutura sociológica, que é cada vez mais afetada pelas lógicas da midiatização. 

Todo o estudo em processos midiáticos precisa de uma fundamentação sociológica. Ou seja, se você irá falar de publicidade, é preciso ler autores não apenas da teoria publicitária, das identidades do marketing etc etc. Você deverá, sim, utilizá-los, mas somente depois de abordar a dimensão sociológica macro, a partir de autores que problematizam as transformações sociais, sejam institucionais ou individuais, a partir da cultura midiática contemporânea. Reforço, realidade esta que não é apenas tecnológica, mas política, histórica e econômica.

Podemos dizer que os processos midiáticos, que põem em curso a chamada sociedade em midiatização, constitui-se na medida em que os processos sociais são mediados por objetos técnicos e a ação é orientada  pela interação entre tecnologia e valores sociais, culturais, econômicos e políticos

De certa forma, os processos midiáticos podem ser considerados como uma matriz de pensamento, que valoriza a perspectiva interacional. Ou seja, não adianta querer saber sobre o sucesso ou o insucesso de uma marca pesquisando apenas dentro da empresa, ou observando apenas o desenvolvimento tecnológico do software, ou se a cor azul é mais identitária do que a vermelha. Sim, isso é importante, mas lhe dará apenas parte de uma resposta, pois o poder de estabelecer ou não a comunicação do sujeito com um produto ou com mídia, também está nos meandros do complexo campo da recepção.

Indo, então, ao campo da recepção você irá perceber que não basta apenas situar o sujeito no seu cotidiano imediato, se ele vai todos os dias ao mercado ou se escuta o programa de rádio todos os dias. É preciso observar o contexto ou as raízes desse sujeito; contexto que contem todos os elementos que irão definir o consumo e as lógicas pelas quais o produto deverá ser pensado e desenvolvido.

Teoricamente, esta visada interacional está ancorada na certeza de que qualquer tecnologia, ou produto decorrente dela, está interligada aos usos e apropriações sociais, que se dão, justamente, nesse encontro entre tecnologias e usos, produzindo os vínculos, a circulação de sentidos - que são as audiências e demais consumos - entre tecnologias que ofertam e aqueles que se posicionam na recepção desta oferta.

Perspectiva interacional
 
Na perspectiva interacional, dá para perceber uma certa circularidade entre tecnolgias e recepção. Ou seja, a perspectiva “processos midiáticos” se assenta na certeza de que a sociedade atual, cada vez mais midiatizada, não é uma consequencia apenas dos dispositivos técnicos de mídia, pois é´, também, a sociedade que gera essa necessidade, tratando-se da origem e desenvolvimento dessas tecnologias midiáticas.

O professor Braga, da Unisinos, comenta sobre isso::
"... é porque a sociedade crescentemente gerou a necessidade, para processar suas interações, de comunicações mais amplas e abrangentes, mas específicas e especializadas, mais diversas, mais eficazes (etc.) que foi desenvolvendo mais e mais procedimentos e tecnologias mediáticas (Braga, 2004: 11).

E por ai se estrutura a importância de pesquisar a comunicação de modo complexo e profundo, de modo relacional e não mais dicotômico.

Tentando resumir 

O estudo que se filia na perspectiva dos “processos midiáticos” deve contemplar dois movimentos: o que as mídias estão fazendo com os sujeitos e o que os sujeitos estão fazendo com as mídias. Para isso, é importante problematizar a sociedade e sua reprodução e demais movimentos a partir da lógica da midiatização, para depois adentrar nas especificidades da tecnologia, se é rádio, TV, propaganda, internet, como a questão da recepção.
Ou seja, parece-me que se trata de uma pesquisa que, inicialmente, parte de uma abordagem sociológica, para em seguida recair na especificidade da tecnologia – pois cada mídia produz e instiga relações e comportamentos de modo diferentes – , retornando, assim, para uma abordagem sociológica da recepção.

Por exemplo, se o aluno quer pesquisar sobre qual a melhor estratégia de mídia ou de publicidade para a empresa tal, ele não pode adotar uma postura focada em um dos extremos: é preciso ser audacioso e encarar a comunicação contemporânea como um campo cada vez mais abrangente e relacionado com outras lógicas e campos sociais. Isto é o que faz da mídia um dos poderes estabelecidos, que ordena o social e é reordenado por ele.
Mas ai entra uma questão de que não há equilíbrio ou total compartilhamento de forças entre esses espaços em que se compõe um processo midiático.

É preciso levar em conta a relação de poder, entre: mídias, consumidores, tecnologias e sujeitos sociais. É como uma disputa hegemônica, que oora o poder está de um lado e ora de outro. Encontrar a relação que interliga produção e recepção é, pelo que percebo, concretizar uma pesquisa chamada “processos midiáticos.”

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